11 de setembro — havia uma alternativa? — Noam Chomsky

12 09 2011

“A supressão dos próprios crimes de alguém é praticamente ubíqua entre os países poderosos, pelo menos entre aqueles que não são derrotados.”

—Noam Chomsky

Em outro 11 de setembro — 11 de setembro de 1973: a CIA começou um golpe de Estado que depôs o democraticamente eleito presidente chileno Salvador Allende e em seu lugar instalou uma ditadura militar. Foto: Keystone/Getty

Estamos nos aproximando do 10° aniversário das horrendas atrocidades ocorridas em 11 de setembro de 2001, as quais, como frequentemente é sustentado, mudaram o mundo.  No dia 1° de maio, o suposto mentor dos ataques, Osama bin Laden, foi assassinado no Paquistão por um time de elite dos Estados Unidos, o Navy SEALs, depois que foi capturado — desarmado e desprotegido — na Operação Gerônimo.

Alguns analistas observaram que, embora bin Laden estivesse finalmente morto, ele conseguiu algumas grandes vitórias na guerra contra os EUA: “Ele reiteradamente sustentava que o único modo de tirar os Estados Unidos do mundo islâmico e de derrotar seus tiranos era envolver os estadunidenses numa série de pequenas, porém caras guerras que iriam levá-los, enfim, à bancarrota”, escreveu Eric Margolis. “Sangrar os EUA”, em suas palavras. “Os Estados Unidos, primeiro sob o comando de George W. Bush e depois sob Barack Obama, caíram direto na armadilha de bin Laden… Grotescamente, orçamentos militares e ‘débitos viciados’ exagerados… devem ser o legado mais pernicioso do homem que pensou que poderia derrotar os EUA” — particularmente quando a dívida está sendo cinicamente explorada pela extrema direita, em conluio com o establishment democrata, para enfraquecer o que resta dos programas sociais, da educação pública, dos sindicatos e, em geral, das barreiras que ainda existem à tirania corporativa.

Que Washington estava inclinado a preencher os fervorosos desejos de bin Lade era evidente de primeira. Como discuti em meu livro 9-11, escrito logo após que os ataques ocorreram, qualquer um com conhecimento da região podia reconhecer  “(…) que um ataque massivo a uma população muçulmana seria a resposta às orações de bin Laden e seus companheiros e que guiaria os EUA e seus aliados para uma ‘armadilha diabólica’, como ponderou o Ministro das Relações Exteriores francês”.

O analista sênior da CIA, Michael Scheuer, responsável pelo rastreamento de Osama bin Laden desde 1996, escreveu logo após o ataque que “bin Laden foi preciso em dizer aos EUA as razões pelas quais está nos atacando. [Ele] está agindo para alterar drasticamente as políticas dos Estados Unidos e do Ocidente em relação ao mundo islâmico”, e ele, em grande parte, conseguiu:“As tropas e as políticas norte-americanas estão completando a radicalização do mundo islâmico, algo que Osama bin Laden vem tentando fazer com substancial, mas incompleto sucesso desde os anos 1990. Em consequência, acho justo concluir que os Estados Unidos da América permanecem sendo o único aliado indispensável de bin Laden.” E sem dúvida continuam sendo, mesmo após a morte dele.

 

O primeiro 11 de setembro

Havia uma alternativa? Há toda probabilidade de que o movimento Jihadi, boa parte dele muitíssimo crítico à Bin Laden, pudesse ter sido dividido e enfraquecido após 11 de setembro. O “crime contra a humanidade”, como foi corretamente chamado, poderia ter sido encarado como um crime mesmo, com uma operação internacional para prender os possíveis suspeitos. Isso foi reconhecido à época, mas tal ideia nem mesmo foi considerada.

No livro 9-11, eu assinalei a conclusão de Robert Fisk de que o “horroroso crime” de 11 de setembro foi cometido com “maldade e crueldade incríveis”, uma avaliação acurada. É útil ter em mente que os crimes poderiam ter sido ainda piores. Suponha, por exemplo, que o ataque tivesse ido ao ponto de ter atingido a Casa Branca, matado o presidente, imposto uma brutal ditadura militar que matou milhares e torturou dezenas de milhares enquanto estabelecia um centro de terror internacional que ajudou a impor estados de tortura-e-terrorismo similares em outros lugares e levou a uma campanha internacional de assassinato; e como impulso extra, que tivesse trazido um time de economistas — chame-os de “os garotos de Kandahar”[1] — que rapidamente levou a economia a uma das piores depressões de sua história. Isso, claramente, teria sido bem pior do que o 11 de setembro.

Infelizmente, este não é uma pensamento hipotético. Aconteceu. A única imprecisão deste relato é que os números deveriam ser multiplicados por 25 para produzir equivalentes per capita, a medida adequada. Estou, claro, referindo-me ao que, na América Latina, é frequentemente chamado de “o primeiro 11 de setembro”: 11 de setembro de 1973, quando os Estados Unidos tiveram êxito em seus intensos esforços para derrubar o governo democrático de Salvador Allende no Chile com um golpe militar que colocou no poder o brutal regime do General Pinochet. O objetivo, nas palavras da administração Nixon, era matar o “vírus” que encorajaria todos aqueles “estrangeiros que estão nos apertando” para adquirir seus próprios recursos e de outras maneiras perseguir uma intolerável política de desenvolvimento independente. No pano de fundo estava a conclusão do Conselho Nacional de Segurança de que, se os EUA não podiam controlar a América Latina, não se poderia esperar “atingir uma ordem satisfatória em outros lugares do mundo”.

O primeiro 11 de setembro, diferente do segundo, não mudou o mundo. Foi “nada de grande importância”, como Henry Kissinger (Secretário de Estado à época) assegurou a seu chefe alguns dias depois.

Esses eventos com poucas consequências não se limitaram ao golpe militar que destruiu a democracia chilena e colocou em movimento a horrível história que adveio. O primeiro 11 de setembro foi apenas um ato num drama que começou em 1962, quando John F. Kennedy passou a missão do exército na América Latina de “defesa do hemisfério” — uma posição anacrônica da II Guerra Mundial — para a de “segurança interna”, uma concepção com uma arrepiante interpretação nos círculos latino-americanos dominados pelos EUA.

No recentemente publicado pela Universidade de Cambridge História da Guerra Fria [History of the Cold War], o estudioso de América Latina John Coatsworth escreve que daquele período até “o colapso soviético em 1990, o número de presos políticos, vítimas de tortura e execuções de dissidentes políticos não violentos, na América Latina, largamente excedeu aqueles [números] da União Soviética e dos satélites do Leste Europeu”, incluindo muitos mártires religiosos e massacres também, sempre apoiados por ou iniciados em Washington. O último grande ato violento foi a brutal morte de seis lideranças intelectuais latino-americanas, padres jesuítas, poucos dias depois da queda do Muro de Berlim. Os assassinos eram um batalhão de elite salvadorenho, que já havia deixado um chocante rastro de sangue, recém vindo de um renovado treinamento na Escola de Guerra Especial JFK, agindo com ordens diretas do alto comando do “país sustentado” [client state] pelos EUA.

As consequências desta praga hemisférica, é claro, ainda reverberam.

 

De sequestro e tortura à assassinato

Tudo isso, e muito mais parecido com isso, é descartado como sendo de pouca relevância, e então esquecido. Aqueles cuja missão é comandar o mundo apreciam uma visão um pouco mais confortável, articulada bem o suficiente no atual número do prestigioso (e valioso) jornal do Royal Institute of International Affairs em Londres. O artigo principal discute “a visionária ordem internacional” da “segunda metade do século vinte” marcado pela “universalização de uma visão americana da prosperidade comercial”. Há algo de verdade no texto, mas ele não chega a transmitir a percepção daqueles no lado errado das armas.

O mesmo é verdade para o assassinato de Osaba bin Laden, que coloca um fim, pelo menos, à“guerra ao terror” redeclarada pelo Presidente George W. Bush no segundo 11 de setembro. Deixe-me focar em alguns pensamentos sobre este evento e seu significado.

Em 1° de maio de 2011, Osama bin Laden foi morto em seu virtual e desprotegido complexo [de edificações] por uma missão de 79 Navy SEALs, que entraram no Paquistão de helicóptero. Depois que muitas histórias tétricas foram fornecidas pelo governo e, então, desmentidas, relatos oficiais tornaram cada vez mais claro que a operação foi um assassinato planejado, múltipla violação de normas elementares do direito internacional, a começar pela invasão em si.

Parece não ter havido tentativa de prender a vítima desarmada, como presumivelmente poderia ter sido feito por 79 soldados enfrentando nenhuma oposição — exceto, eles relatam, da esposa de bin Laden, também desarmada, em quem eles atiraram em autodefesa quando ela “foi para cima deles”, de acordo com a Casa Branca.

Uma reconstrução plausível dos eventos é fornecida pelo veterano correspondente do Oriente Médio Yochi Dreazen e seus colegas do Atlantic. Dreazen, formamelmente correspondente militar para o Wall Street Journal, é correspondente sênior do National Journal Group cobrindo assuntos militares e segurança nacional. De acordo com a investigação deles, o plano da Casa Branca não parece ter considerado a opção de capturar bin Laden vivo: “o governo deixou claro ao secreto Comando de Operações Especiais Conjuntas dos militares que queria bin Laden morto, de acordo com um funcionário público sênior dos EUA a par das discussões. Um militar de alta patente informado sobre a incursão afirmou que os SEALs sabiam que a missão deles não era trazê-lo vivo.”

Os autores acrescentam: “Para muitos no Pentágono e na Agência de Inteligência Central (CIA), que gastaram quase uma década caçando bin Laden, matá-lo era um ato necessário e justificado de vingança.” Mais que isso, “(…) capturar bin Laden vivo ainda colocaria ao governo uma gama de problemas legais e políticos espinhosos”. Melhor, então, assassiná-lo, jogar seu corpo no mar sem a autópsia considerada essencial após uma morte — um ato que previsivelmente provocou tanto raiva quanto ceticismo em boa parte do mundo muçulmano.

Como a investigação do Atlantic observa, “(…) a decisão de matar bin Laden sem delongas foi a ilustração mais nítida até agora de um aspecto pouco notado da política antiterrorismo da adiministração Obama. A de Bush capturou milhares de militantes suspeitos e os enviou para campos de detenção no Afeganistão, Iraque e na Baía de Guantânamo. A administração Obama, ao contrário, focou-se em eliminar terroristas em específico ao invés de tentar pegá-los vivos.”  Essa é uma diferença significativa entre Bush e Obama. Os autores citam o então Chanceller Alemão Helmut Schmidt, que “disse à TV alemã que o ataque dos EUA era ‘muito claramente uma violação do direito internacional’ e que bin Laden deveria ter sido detido e processado”, contrastando-o com o Procurador-Geral dos Estados Unidos, Eric Holder,  que defendeu a decisão de matar bin Laden ainda que ele não representasse uma ameaça imediata ao Navy SEALs, afirmando num painel na Casa Branca… que o ataque foi legal, legítimo e apropriado de todos os modos.

A eliminação do corpo sem autópsia também foi criticada por aliados. O largamente reconhecido jurista [barrister] britânico Geoffrey Robertson, que apoiou a intervenção, mas se opôs à execução essencialmente por questões pragmáticas, descreveu, entretanto, a declaração de Obama de que “(…) a justiça foi feita” como um “disparate” que deveria ser óbvio para um professor de direito constitucional. A lei paquistanesa “requer um inquérito para mortes violentas, e a lei internacional de direitos humanos insiste que o ‘direito à vida’ exige uma investigação sempre que uma morte violenta ocorrer por ação do governo ou ação policial. Os EUA estão, portanto, com a obrigação de realizar uma investigação que convencerá o mundo quanto às circunstâncias desta morte”.

Robertson utilmente nos lembra que:

“Nem sempre foi assim. Quando chegou a hora de considerar o destino de homens muito mais versados em crueldade do que Osama bin Laden — o líder nazista — o governo britânico queria-os mortos dentro de seis horas depois da captura. O Presidente Truman discordou, citando a conclusão do Juiz Robert Jackson de que execução sumária ‘não seria aceita facilmente pela consciência americana ou lembrada com orgulho pelas nossas crianças… o único caminho possível é determinar a inocência ou a culpa dos acusados depois de um julgamento tão imparcial quanto o tempo permitirá e com um relatório que deixará nossas razões e motivos claros”.

Eric Margolis comenta que “Washington nunca tornou pública a evidência de sua declaração de que Osama bin Laden estava por trás dos ataques de 11 de setembro”, presumivelmente uma razão por que pesquisas mostram que um terço dos estadunidenses respondentes acreditam que o governo dos EUA e/ou Israel estão por trás do 11 de setembro, enquanto no mundo muçulmano o ceticismo é muito maior. “Um julgamento aberto ou em Haia (Tribunal Penal Internacional) teria trazido tais declarações à luz do dia”, prossegue Margolis, uma razão prática do porquê Washington deveria ter seguido a lei.

Em sociedades que professam algum respeito pela lei, suspeitos são detidos e levados a julgamentos justos. Eu saliento “suspeitos”. Em junho de 2002, o diretor do FBI, Robert Mueller, no que o Washington Post descreveu como “dentre seus comentários públicos mais detalhados acerca das origens dos ataques”, podia dizer apenas que “(…) investigadores acreditam que a ideia dos ataques de 11 de setembro no World Trade Center e no Pentágono vieram de líderes da Al Qaeda no Afeganistão, a principal organização era feita na Alemanha e o financiamento vinha por meio dos Emirados Árabes de fontes no Afeganistão”.

No que o FBI acreditava e aquilo que sabiam em junho de 2002, eles não sabiam oito meses antes, quando Washington descartou ofertas vagas feitas pelo Talibã (quão sérias nós não sabemos) de permitir um julgamento de bin Laden se lhe fossem apresentadas as evidências. Assim, não é verdade, como o Presidente Obama declarou no comunicado na Casa Branca após a morte de bin Laden, que “(…) nós rapidamente aprendemos que os ataques de 11 de setembro foram planejados pela Al Qaeda”.

Nunca houve nenhuma razão para duvidar daquilo em que o FBI acreditava em meados de 2002, mas aquilo nos deixa longe da prova de culpa exigida em sociedades civilizadas —  e fosse qual fosse a evidência, isso não autoriza a morte de um suspeito que poderia, é o que parece, ter sido facilmente preso e levado à julgamento. Quase o mesmo é verdade sobre as evidências fornecidas até agora. Deste modo, a Comissão do 11 de setembro forneceu vastas evidências circunstanciais acerca do papel de bin Laden no 11 de setembro, baseadas principalmente no que lhe foi dito sobre as confissões de prisioneiros em Guantânamo. É discutível se boa parte disso se sustentaria num tribunal independente, considerando-se os meios pelos quais as confissões foram extraídas. Mas em qualquer caso, as conclusões de uma investigação autorizada pelo Congresso, ainda que convençam aquele que a fez, claramente fica aquém de uma sentença dada por uma corte digna de confiança, cujo trabalho transfere a categoria do acusado de suspeito para condenado.

Há muita conversa sobre a “confissão” de bin Laden, mas aquilo foi uma “glorificação”, não uma confissão, com tanta credibilidade quanto a minha “confissão” de que ganhei a maratona de Boston. O fato de ele vangloriar-se diz muito sobre seu caráter, mas nada sobre sua responsabilidade por aquilo que ele reconheceu como uma grande realização, pela qual ele quis levar o crédito.

Novamente, tudo isso é, de modo transparente, completamente independente da opinião de alguém sobre a responsabilidade dele, que parecia clara imediatamente, mesmo antes do inquérito do FBI, e continua sendo.

 

Crimes de agressão

É válido mencionar que a responsabilidade de bin Laden foi reconhecida em boa parte do mundo muçulmano, e condenada. Um exemplo significativo é o notável clérigo libânes Sheikh Fadlallah, altamente respeitado pelo Hizbollah e por grupos Xiitas em geral, fora do Líbano também. Ele tem certa experiência com assassinatos. Ele foi alvo de um: por um caminhão bomba fora de uma mesquita, numa operação organizada pela CIA em 1985. Ele escapou, mas outras oitenta pessoas morreram, a maioria mulheres e meninas que deixavam a mesquisa — um destes inúmeros crimes que não entram nos anais do terrorismo por causa da falácia da “operação errada”. Sheikh Fadlallah condenou vigorosamente os ataques de 11 de setembro.

Um dos maiores especialistas no movimento Jihadi, Fawaz Gerges, sugere que o movimento poderia ter sido dividido àquela época se os EUA tivessem explorado a oportunidade ao invés de mobilizar o movimento, particularmente ao atacar o Iraque, um grande favor pra bin Laden, o que levou a um aumento acentuado do terrorismo como as agências de inteligência haviam antecipado. Nas audiências de Chilcot que investigaram o pano de fundo da invasão do Iraque, por exemplo, o antigo chefe da agência de inteligência interna britânica, o MI5, atestou que tanto a inteligência britânica quanto a estadunidense estavam cientes de que Saddam não representava nenhuma ameaça séria, que a invasão provavelmente aumentaria o terrorismo e que as invasões do Iraque e do Afeganistão radicalizaram partes de uma geração de muçulmanos que viram as ações militares como um “ataque ao Islã”. Como frequentemente é o caso, a segurança não era uma grande prioridade para a ação estatal.

Pode ser instrutivo nos questionarmos sobre como reagiríamos se agentes iraquianos tivessem pousado na casa de George W. Bush, assassinado-o e jogado seu corpo no Atlântico (após apropriados ritos funerários, é claro). Sem qualquer controvérsia, ele não foi um “suspeito”, mas sim o “comandante” que deu as ordens para invadir o Iraque — isto é, para cometer o “mais grave crime internacional diferindo de outros crimes de guerra apenas na medida em que contém em si mesmo todo o mal acumulado” pelo qual os criminosos nazistas foram enforcados: as centenas de milhares de mortes, milhões de refugiados, destruição de boa parte do país e de seu patrimônio nacional e o sanguinário conflito sectário que agora se espalhou para o resto da região. Igualmente incontroverso, tais crimes largamente excedem qualquer um atribuíduo a bin Laden.

Dizer que tudo isso é incontroverso, como é, não implica que não seja negado. A existência de defensores da “Terra plana” [flat earthers] não muda o fato de que, sem controvérsia, o planeta não é plano. De modo similar, é indiscutível que Stalin e Hitler foram responsáveis por crimes horríveis, ainda que legalistas neguem isso. Tudo isso deveria, novamente, ser óbvio demais para comentar, e seria, exceto numa atmosfera de histeria tão extrema que bloqueasse o pensamento racional.

Analogamente, é incontroverso que Bush e seus colaboradores cometeram o “mais grave crime internacional” — o crime de agressão. Tal crime foi definido de modo claro o suficiente pelo Magistrado Robert Jackson, Chefe do Conselho para as Nações Unidas em Nuremberg. Um“agressor”, Jackson propôs ao Tribunal em seu pronunciamento de abertura, é um Estado que é o primeiro a cometer ações tais como “invasão de suas forças armadas, com ou sem uma declaração de guerra, ao território de outro Estado…” Ninguém, nem mesmo o mais extremado defensor da agressão, nega que Bush e seus associados fizeram isso.

Faríamos igualmente bem em recordar as eloquentes palavras de Jackson, em Nuremberg, acerca do princípio da universalidade: “se certos atos que violam tratados são crimes, eles são crimes se os Estados Unidos os cometem ou se a Alemanha os comete, e não estamos preparados para estabelecer uma regulação de conduta criminosa contra os outros caso não estejamos dispostos a vê-la invocada contra nós.”

Também está claro que intenções anunciadas são irrelevantes, mesmo que sejam verdadeiramente reais. Registros internos revelam que os facistas japoneses aparentemente acreditavam mesmo que devastando a China, eles estavam trabalhando para torná-la um“paraíso terreno”. E embora seja difícil imaginar, é concebível que Bush e cia acreditassem que estavam protegendo o mundo da destruição pelas armas nucleares de Saddam. Tudo irrelevante, ainda que ardentes legalistas de todos os lados tentem se convencer do contrário.

Restam-nos duas alternativas: ou Bush e seus colaboradores são culpados do “mais grave crime internacional”, incluindo-se todos os males decorrentes, ou então nós declaramos que os procedimentos de Nuremberg foram uma farsa e que os Aliados foram culpados deassassinato judicial.

 

A mentalidade imperialista e o 11 de setembro

Alguns dias antes do assassinato de bin Laden, Orlando Bosch morreu tranquilamente na Flórida, onde residia junto com seu cúmplice Luis Posada Carriles e vários outros associados do terrorismo internacional. Após ter sido acusado de dezenas de crimes terroristas pelo FBI, Bosch recebeu um perdão presidencial do Bush Pai mesmo com as objeções do Departamento de Justiça, cuja conclusão foi de que era “inevitável que fosse prejudicial ao interesse público que os Estados Unidos fornecessem um refúgio seguro para Bosch”. A coincidência destas mortes imediatamente traz à mente a doutrina de Bush Filho — “já… uma norma de facto nas relações internacionais”, de acordo com o distinto especialista de Harvard em relações internacionais, Graham Allison — que revoga “a soberania dos países que oferecem guarida a terroristas”.

Allison refere-se ao pronunciamento de Bush Filho, direcionado ao Talibã, de que “aqueles que abrigam terroristas são tão culpados quanto os próprios terroristas”. Tais países, portanto, perderam a soberania e são alvos para bombardeiro e terrorismo — por exemplo, o Estado que abrigou Bosch e seu associado. Quando Bush declarou essa nova “norma de facto das relações internacionais”, ninguém pareceu notar que ele estava pedindo por invasão e destruição dos EUA e a morte de seus presidentes criminosos.

Nada disso é problemático, é claro, se rejeitamos o princípio da universalidade do Juiz Jackson, e adotamos, no lugar disso, o princípio de que os Estados Unidos são autoimunes contra leis e convenções internacionais — como, aliás, o governo tem frequentemente deixado bem claro.

Também é produtivo pensar sobre o nome dado à operação de captura de bin Laden: Operação Gerônimo. A mentalidade imperialista é tão profunda que poucos parecem capazes de perceber que a Casa Branca está glorificando bin Laden ao chamá-lo de “Gerônimo” — ochefe indígena Apache que liderou a corajosa resistência aos invasores das terras apaches.

A fortuita escolha deste nome é a reminescência da facilidade com que nomeamos nossas armas de assassinato com as vítimas de nossos crimes: Apache, Blackhawk… Reagiríamos de modo diferente se a Luftwaffe (Força Aérea Alemã) nomeasse seus aviões de combate de“Judeu” e “Cigano”.

Os exemplos mencionados enquadrariam-se na categoria do “excepcionalismo dos EUA” se não fosse o fato de que a simples supressão dos crimes de alguém é virtualmente ubíqua entre os Estados poderosos, pelo menos entre aqueles que não são derrotados e forçados a reconhecer a realidade.

Talvez o assassinato tenha sido percebido pela administração central como um “ato de vingança”, como Robertson conclui. E talvez a rejeição à opção legal de um julgamento reflita a diferença entre a cultura moral de 1945 e a de hoje, como ele sugere. Seja qual for o motivo, dificilmente poderia ter sido a segurança. Como no caso do “maior crime internacional” no Iraque, o assassinato de bin Laden é outra ilustração do importante fato de que a segurança frequentemente não é uma alta prioridade para a ação do Estado, ao contrário do que propaga a doutrina.

 

*Noam Chomsky é Professor Emérito do Departamento de Linguística e Filosofia do MIT de Cambridge e é considerado um dos maiores cientistas do século 20. Premiado como Doctor honoris causa em mais de 40 universidades e ganhador de inúmeras medalhas e prêmios por sua contribuição intelectual. É autor de muitos best-sellers em política, incluindo 9-11: Havia uma Alter


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2 responses

12 09 2011
Junior Araujo (@junioruneal)

é… a verdade é que Chomsky é um revolucionário… desde as teorias da Linguística…rsrsrs… não dá para parar no simples discurso vazio e infecundo… deve-se apresentar a realidade como realmente é, apontando seus detalhe.

13 10 2011
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